sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Mico Leão de Cara Dourada

Pela primeira vez no Brasil, pesquisadores preparam a retirada de grupos de mico-leão-da-cara-dourada (Leontopithecus chrysomelas) de uma área em Niterói, no Rio de Janeiro, próxima a uma região habitada por outro primata, o mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia). A remoção será necessária para evitar que os grupos se encontrem, o que seria prejudicial à manutenção de ambas as espécies. Os micos-leões-de-cara-dourada removidos serão soltos em uma área de Mata Atlântica no sul da Bahia, dentro de sua região de ocorrência natural, mas num lugar onde atualmente não há exemplares da espécie.

O programa de remoção do mico-leão-da-cara-dourada será desenvolvido pelo Instituto Pri-Matas para a Conservação da Biodiversidade, com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção a Natureza. O instituto terá também a parceria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Conservação International-Brasil, Associação Mico-Leão-Dourado, Instituto Estadual do Ambiente (INEA-RJ), Centro de Primatologia do Rio de Janeiro (CPRJ), Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia e Universidade Federal do Espírito Santo/Centro Universitário Norte do Espírito Santo (UFES/CEUNES). Além da Fundação Grupo Boticário, patrocinam a iniciativa: Câmara de Compensação Ambiental - Rio de Janeiro Lion Tamarin of Brazil Fund, Primate Action Fund, Margot Marsh Foundation e MBZ Species Conservation Fund.

A população de micos invasores é de aproximadamente 106 indivíduos, distribuídos em 15 grupos, de acordo com levantamento coordenado em 2009 pela pesquisadora Maria Cecília Kierulff, responsável técnica pelo programa de remoção e afiliada ao Instituto Pri-Matas. Os micos-leões-da-cara-dourada estão em uma área de mata do Parque Estadual da Serra da Tiririca e do Parque Municipal Darcy Ribeiro, próxima a vários condomínios residenciais, e têm convivência com os moradores, que os alimentam com frequência. Os primeiros animais foram observados em 2002 e, segundo Cecília, foram soltos acidentalmente, por ação humana.

Para capturar os micos-leões-da-cara-dourada serão utilizadas armadilhas. O processo prevê a captura de quatro grupos a cada três meses. Se a população dos invasores tiver aumentado, a previsão é de que sejam capturados mais grupos a cada três meses. Após a captura, os grupos passarão por um período de quarentena e depois serão transportados de avião para Porto Seguro, BA e, em seguida, de carro para a área escolhida para sua liberação. Este método é conhecido como translocação. Logo que eles forem soltos serão monitorados diariamente até os pesquisadores terem certeza de que ficarão bem. “Essa será a primeira vez que vamos realmente fazer um manejo de espécies invasoras no Brasil, seguindo os protocolos para captura, quarentena e soltura para mico-leão”, afirma Cecília. O trabalho está na fase inicial e deve ser concluído no período de três anos.

Apesar das diferenças das espécies, o processo de translocação dos micos invasores será parecido com o procedimento adotado por Cecília Kierulff há 15 anos, quando realizou um trabalho com os mico-leões-dourados. Naquela ocasião, Cecília encontrou grupos isolados da espécie em fragmentos de florestas, capturou seis grupos e soltou-os numa floresta única – sem micos-leões-dourados, mas dentro da área de ocorrência dos animais. “Hoje a Reserva União possui 300 indivíduos, segunda maior população da natureza, descendentes dos 42 que foram reintroduzidos no local”, ressalta a pesquisadora.

O único problema neste processo que será iniciado em Niterói, segundo Cecília, é se a população do mico-leão-da-cara-dourada tiver crescido acima do previsto. Se isto ocorreu, os pesquisadores terão problemas para capturar todos e o processo pode ser mais demorado do que o esperado. Por isso, a captura será bem programada para que seja observado o deslocamento de outros grupos da espécie na área e será usado também um equipamento de play back, uma espécie de aparelho de som que transmite o chamados dos grupos para atrair os micos.

Antes de iniciar as capturas, os pesquisadores explicarão aos moradores os motivos da remoção do mico-leão-da-cara-dourada, visto por muitos como “animais de estimação”. Estas pessoas fornecem alimentos para os grupos nos quintais de suas casas e se afeiçoaram aos micos-leões-de-cara-dourada. Por isso, será realizado um programa de comunicação voltado principalmente para estes moradores, para esclarecer sobre os problemas de alimentar os animais e sobre a ameaça que o mico-leão invasor representa para o mico-leão nativo.

Perigos da convivência das duas espécies

Existem grupos de mico-leão-da-cara-dourada vivendo a apenas 50 km de distância de micos-leões-dourados. Além de existirem vários fragmentos de matas pequenos que podem funcionar como ponte conectando as duas populações, grupos de micos-leões podem se locomover em áreas abertas com mais de um quilômetro de extensão. Se nada for feito, em poucos anos a população de mico-leão-da-cara-dourada pode expandir até alcançar as populações de micos-leões-dourados. Se isso acontecer, os animais vão competir entre si pela área e também pelo alimento – eles comem os mesmos alimentos, usam o mesmo habitat e os mesmos locais para dormir. Esta competição fatalmente acabaria por excluir uma espécie, que pode ser o mico nativo. Outro perigo, de acordo com Cecília, é a formação de híbridos, o que já foi observado em cativeiro, cujo resultado ainda é desconhecido. “Híbridos são sempre um problema e se forem mais resistentes do que os originais podem excluir as duas espécies e se espalhar rapidamente ou se não se adaptarem, os resultados podem aparecer somente a partir da segunda ou terceira geração”, explicou. As duas espécies estão na lista oficial brasileira como ameaçadas de extinção, mas o mico-leão-dourado tem uma população menor. Atualmente são 1,2 mil indivíduos contra 6 mil indivíduos de mico-leão-da-cara-dourada.

Apoio a projetos

A Fundação Grupo Boticário apoia projetos por meio de diferentes linhas. A linha de Apoio a Programas, da qual faz parte esse programa de remoção dos micos-leões-de-cara-dourada, foi criada em 2010 com o intuito de financiar instituições para que desenvolvam ações de conservação de médio a longo prazos, de três a quatro anos. O objetivo é que os programas, composto por diferentes projetos complementares e sucessivos, resultem em medidas efetivas de conservação ou sejam seus agentes indutores. A seleção do Apoio a Programas é feita por meio de carta-consulta